Não é de hoje que tenho me debruçado sobre o tema da masculinidade. Tanto por uma questão pessoal — como homem sinto a necessidade de compreender o que é esta coisa com a qual me identifico — quanto por uma questão profissional. Mas, refletindo sobre os conteúdos consumidos ao longo deste tempo, comecei a observar uma tendência na forma que o tema é abordado nas midias e meios de comunicação. Frequentemente, quando se fala sobre masculinidade, os tópicos escolhidos são: machismo, feminismo, sexismo, privilégio e violência nas suas mais diversas formas... É fácil entender a razão por trás da escolha destes tópicos, e não pretendo negar sua importância em momento algum deste texto, mas é isso que define masculinidade? Homem é quem agride, quem oprime, quem se opõe a mulher e ao feminino? O que essa forma de ver e apresentar o masculino diz sobre nós e sobre nosso futuro?
Duas formas de conhecer
Imagine que você foi convidado a dar uma palestra sobre você mesmo. Que informações e assuntos seriam importantes tratar para que as pessoas assistindo sua palestra saiam dela conhecendo você? Certamente falar sobre seus amigos ajuda a entender quem é você. Contar a sua história ajuda a entender quem é você. Falar sobre o país em que nasceu, o lugar onde cresceu e as pessoas com quem se relacionou e conviveu ajuda a entender quem é você. Mas saber disso tudo é realmente conhecer você? É conhecer seu rosto, sua voz, seu sorriso, seu choro e o que causa cada um deles? Da mesma forma que conhecer sua família, histórias e amigos não significa conhecer você; conversar sobre machismo, feminismo, violência e preconceito não é o mesmo que falar sobre masculinidade.
De forma didática, e na falta de termos mais adequados, irei dividir o conhecimento que temos sobre um objeto em dois tipos: científico e empírico. Enquanto o conhecimento científico se preocupa em descrever o objeto, identificando características e propriedades; o conhecimento empírico classifica o mundo a nossa volta baseado na experiência que temos ao interagir com ele, orientando o que devemos pensar, fazer e sentir na presença de tal objeto. Difícil? Deixe me dar um exemplo. Saber que a laranja é uma fruta redonda, formada por gomos suculentos e facilmente identificada pela cor de sua casca (conhecimento científico) é diferente de conhecer seu gosto e a refrescância de seu suco em uma tarde de verão (conhecimento empírico). Enquanto a primeira se preocupa em descrevê-lo, a segunda se preocupa em orientar a relação estabelecemos com o objeto.
Quando escolhemos falar sobre masculinidade, falamos de uma perspectiva científica ou empírica? Estamos preocupados em descrever suas características e a natureza daquilo que a constitui, ainda que estejamos falando de algo subjetivo e imaterial; ou estamos preocupados em classificá-la como boa, má, desejável e indesejável? Apesar de não ser possível separar totalmente uma forma de conhecimento da outra, nosso discurso pode dar ênfase a uma delas enquanto negligencia a outra. Quando escolhemos machismo, feminismo e violência como tópicos através dos quais discutir masculinidade; estamos assumindo uma perspectiva altamente centrada no conhecimento empírico sem necessariamente tratar de aspectos importantes que o conhecimento científico nos proporciona. Em outras palavras, estamos orientando nosso público a tomar, ou não, um suco de laranja em uma tarde de verão sem necessariamente explicar o que é uma laranja.
As dificuldades de se descrever uma experiência subjetiva
Diferente de uma laranja, cujas propriedades são em sua grande maioria concretas e mensuráveis, masculinidade não é um objeto, mas uma experiência. Não é possível pegar, tocar, dar ou receber masculinidade. Da mesma forma que se sente mulher, também nos sentimos homens. Mas de onde vem essa experiência? Em que ela se fundamenta? Descrever esta experiência não é uma tarefa fácil. Por este motivo é tão difícil falar sobre masculinidade ou feminilidade. O movimento feminista vem discutindo, pensando e modificando seu conceito de feminino ao longo de décadas. Mas e nós homens? Em que momento discutimos, conversamos e debatemos sobre aquilo que nos constitui?
Me parece que o conceito de homem ainda não se separou do conceito de macho. Ainda definimos nossa experiência através daquilo que carregamos entre as pernas, do tipo de gameta que produzimos ou então das características secundárias que se manifestam devido a ação da testosterona em nosso corpo. Agora em um nível mais subjetivo e abstrato, o conceito de masculino parece estar sendo majoritariamente apresentado e discutido apartir daquilo que apresenta de pior! Falamos tanto sobre a violência, o preconceito e o machismo presentes em formas doentias e tóxicas de masculinidade, que acabamos negligenciando a sua expressão saudável e desejada. Como uma espécie de "efeito colateral" deste tipo de discurso, orientamos meninos e meninas a temer e repudiar o masculino pelo simples fato de que a apresentação que lhes é feita dele está fundamentada em uma série de experiências e percepções negativas nossas. Não falamos sobre as possíveis virtudes e valores que uma masculinidade saudável pode expressar. Não ensinamos o que é ser um bom homem e não falamos da importância que uma expressão saudável de masculinidade tem para o indivíduo e para a sociedade.
Pensando no futuro
Felizmente temos o privilégio de não precisarmos criar a roda do zero. Podemos observar aqueles que percorreram uma estrada parecida ao descrever o feminino e, através da observação e diálogo, iniciar o processo de descrição e identificação do masculino para além de características físicas e estereótipos. Certamente cometeremos erros. Certamente existirão desafios e dificuldades; aspectos que não poderão ser simplesmente copiados ou imitados de nossas amigas feministas. Todavia esta é uma jornada que vem a muito tempo sendo adiada. Nos limitamos a falar sobre machismo, feminismo, sexismo e violência, e esquecemos de debater virtudes, qualidades e bons exemplos de masculinidade. Por vezes até mesmo esquecemos ou temos dificuldade em descrever o que é a experiência da masculinidade.
Me parece que estamos ao mesmo tempo acomodados e acuados. Acomodados porque sabemos que não é fácil a tarefa que está a nossa frente, e que ao não executá-la nos poupamos de debates extensos e difíceis; e ao mesmo tempo acuados pois sabemos que essa mudança de perspectiva no diálogo pode, e provavelmente trará, mudanças significativas em nossa forma de perceber o mundo. Mudar assusta. Olhar o desconhecido nos olhos assusta (ainda mais quando o desconhecido habita dentro de nós mesmos). Porém, ao mesmo tempo que ele nos ameaça, o desconhecido e a mudança nos oferecem a oportunidade de transcender aquilo que somos hoje. De nos renovarmos e renovarmos o mundo em que vivemos. A pergunta é: será que somos homens suficiente para isso?
Autor:
Léo Hemann Strack
@psicologiadacoisa
Revisão e edição de Texto: Débora Carvalho
@psideboracarvalho
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